Sorriso 195

Ela nem sorriu pra mim e fiquei intrigado.
Me recebeu com aquele mau humor que parece pensado em planejado para acabar com o dia alheio.
E foi uma pergunta simples, rápida e inocente.
Lembrei do meu amigo Adelir que certa vez, em meio a um trânsito horrível ali em Botafogo, me disse uma frase fundamental.
Eu brigava com um táxi que insistia em querer passar a minha gente no engarrafamento. Um colocando o bico do carro na frente do outro buscando um espaço que não existia. Tudo parado, mas ficar na frente do outro parecia questão de honra. Eu travava uma briga de morte com o cara mentalmente, ficava puto, fechava a cara.
Eu estava ali na minha, batendo papo e o cara me fecha no engarrafamento. Um mau-humor sobre rodas querendo me ultrapassar.
Adelir me segurou pelo braço sorrindo e disse:
- Deixa ele passar. Vai ser apenas mais um carro na sua frente...
Cai em mim. Deixei, ele passou e nada diferente aconteceu.
- Não traz esse cara pra sua vida não... – Completou o negão amigo cheio de razão. E voltamos a nosso papo bom.
Eu me afastei dela pensando nisso.
No dia seguinte, coisas de cidade grande que parece ter apenas uma rua, a vi ali de novo vendendo seus quadrinhos. Algo me impeliu a perguntar exatamente a mesma coisa de novo. E ela abriu um sorriso que depois roubei como troféu.
Comprei seu artesanato. Comprei logo dois. Decidi trazê-la, aquela sim, pra minha vida.
Pendurar os quadrinhos na parede e sempre pensar no assunto. Ninguém é sempre mau humorado, ruim, ranzinza, chato. Ninguém é um só.
Depende do momento, da frase, do sol, do sorriso.
E às vezes de um dia seguinte.